terça-feira, 3 de novembro de 2009

* FOLHA EXPLICA GUIMARÃES ROSA

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Redação

"Guimarães Rosa é único na literatura brasileira: foi em sua pena que nossa língua literária alcançou seu mais alto patamar. Nunca antes, nem depois, a língua foi desenvolvida assim em todas as suas virtualidades." - Walnice Nogueira Galvão, professora de literatura da USP, autora de "Folha Explica - Guimarães Rosa"
Guimarães Rosa (1908-1967) é, por consenso, o maior escritor brasileiro de ficção da segunda metade do século 20. Um panorama da vida e da obra do autor é desvendado em "Guimarães Rosa", volume da coleção "Folha Explica", da Publifolha. O capítulo de introdução do livro pode ser lido abaixo.
Na obra, assinada por Walnice Nogueira Galvão, professora livre-docente de literatura na USP, o leitor descobre e entende como --e por que-- Guimarães Rosa transportou a nossa língua literária para um plano de invenção nunca antes alcançado.
A autora se detém especialmente na análise de "Grande Sertão - Veredas", obra definitiva de Rosa, um livro singular que revela os fundamentos que definem o povo brasileiro e, ao fazê-lo, ensina a pensar o Brasil por outro viés.
"[O livro] mostra como num país imenso, de território quase infinito, o exercício privado e organizado da violência a serviço dos poderosos sempre constituiu a regra, e não a exceção. Aí radica um dos fundamentos de uma sociedade sem par em sua iniqüidade", escreve a autora no capítulo dedicado a "Grande Sertão - Veredas".
"Guimarães Rosa" traz ainda análise do restante da obra do autor, desde "Sagarana" (1946) até seus livros póstumos "Estas Estórias" (1969) e "Ave, Palavra" (1970), uma breve biografia de Rosa, além de uma bibliografia que reúne os seus livros e os principais livros de outros autores que se dedicaram a estudar sua obra.
A série "Folha Explica" ambiciona oferecer ao leitor condições para que fique bem informado sobre os temas tratados e possa refletir sobre eles a partir de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país. *Leia abaixo a introdução de "Guimarães Rosa"
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Introdução
Quando Guimarães Rosa publicou seu primeiro livro, Sagarana, em 1946, duas vertentes assinalavam o panorama da ficção brasileira: o regionalismo e a reação espiritualista.
Sua obra vai representar uma síntese feliz das duas vertentes. Como os regionalistas, volta-se para os interiores do país, pondo em cena personagens plebéias e 'típicas', a exemplo dos jagunços sertanejos. Leva a sério a função da literatura como documento, ao ponto de reproduzir a linguagem característica daquelas paragens. Porém, como os autores da reação espiritualista, descortinando largo sopro metafísico, costeando o sobrenatural, em demanda da transcendência.
No que superou a ambas, distanciando-se, foi no apuro formal, no caráter experimentalista da linguagem, na erudição poliglótica, no trato com a literatura universal de seu tempo, de que nenhuma das vertentes dispunha, ou a que não atribuíam importância. E no fato de escrever prosa como quem escreve poesia --ou seja, palavra por palavra, ou até fonema por fonema.
Nesse sentido, Guimarães Rosa é único na literatura brasileira: foi em sua pena que nossa língua literária alcançou seu mais alto patamar. Nunca antes, nem depois, a língua foi desenvolvida assim em todas as suas virtualidades. A tal ponto que, na formulação de um de seus primeiros e melhores críticos, Cavalcanti Proença,1 ele chega a se confundir com a língua, colocando-se em seu ponto inaugural e, a exemplo dela, criando incessantemente.
Assim, por exemplo, toma a liberdade de trocar um sufixo por outro (prefere "abominoso" a abominável). Ou deriva um adjetivo, até então inexistente, de um substantivo; ou o contrário. Ou ainda inventa um verbo, a partir da enumeração das vogais ("o vento aeiouava"). Ou cunha um nome próprio, juntando o pronome de primeira pessoa em várias línguas --que, pronunciados à brasileira, se tornam irreconhecíveis-- para batizar a personagem Moimeichego (moi, me, ich, ego). E assim por diante. O escritor está reproduzindo os processos de criação da própria língua.
Dedicou-se incansavelmente a atacar o lugar-comum, que jamais utilizava, a menos que fosse para criar um análogo, antes escrevendo 'antenasal de mim a palmo' que 'a um palmo diante do nariz'. Esse propósito de inovação lingüística manifesta-se a todo momento em sua obra; e ele também se pronunciou a respeito em entrevistas e declarações.
Outra razão pela qual a leitura de Guimarães Rosa é uma experiência imperativa reside em sua capacidade de fabulação. Raramente houve na literatura brasileira um autor tão prolífico em diferentes enredos, com suma capacidade de inventar tramas e personagens.
Dentre estas, ao se concentrar nas que elegeu, o escritor como que dignifica o sertanejo pobre, mostrando como o mais papudo dos catrumanos dos cafundós pode aspirar à transcendência e se entregar a especulações metafísicas, sem precisar sequer saber ler.
Este livro tem por objetivo apresentar a obra do escritor, examinando-a de diferentes perspectivas. Um primeiro capítulo cuida de determinar o lugar que ocupa na literatura brasileira, mostrando como sua originalidade o torna incomparável, embora tenha precursores.
O Capítulo 2 se concentra em esmiuçar o mais importante de seus livros e único romance, Grande Sertão: Veredas (1956), assumindo que todos os grandes achados de sua ficção se encontram ali sintetizados. O terceiro capítulo é dedicado ao restante da obra de Guimarães Rosa, analisando desde Sagarana (1946), passando por Corpo de Baile (1954), Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia - Terceiras Estórias (1967), até seus dois livros póstumos, Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970). O capítulo seguinte fornece os traços biográficos do escritor. E a Conclusão faz um balanço de seu papel em nossa cultura.
Completa este livro uma bibliografia de e sobre o autor, em que se procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que essa obra suscitou.
1 M. Cavalcanti Proença, Trilhas no Grande Sertão. Rio de Janeiro: MEC,1958.
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“Guimarães Rosa"
Autora: Walnice Nogueira Galvão. Editora: Publifolha. Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
FONTE: FOLHA ONLINE - 26/06/2008 - 23h03
Mais:
GALERIA DE IMAGENS FOLHA:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/galeria/album/p_20080424-guimaraes01.shtml

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