terça-feira, 3 de novembro de 2009

* PARA PROVAR QUE VIVEU

.
Marli Fantini Scarpelli


NASCIDO em Cordisburgo-MG, em 27 de junho de
1908, João Guimarães Rosa foi o primeiro dos
seis filhos de D. Francisca Guimarães Rosa e de
Florduardo Pinto Rosa. Joãozito, como era chamado
na infância, iniciou-se, com menos de sete
anos de idade, na aprendizagem do francês,
segundo depoimento (à TV Minas), da Dra.
Calina Guimarães, prima de Rosa e médica como
ele: quando criança, apaixonado por borboletas,
ele insistentemente encomendava a um caixeiro-viajante
um livro ou um almanaque sobre os
insetos de sua predileção. Finda a aflitiva espera,
chega um livro com belas ilustrações e as informações
desejadas. Porém escrito em francês. O
resto já se imagina: o menino se embebe das
gravuras e também do texto, iniciando-se, desse
modo e com a ajuda das irmãs mais velhas, na
aprendizagem do idioma estrangeiro.
E a aprendizagem de latim? Havia na casa do
garoto uma daquelas alentadas bíblias bilíngües.
O menino, que desde os cinco anos já lia em
língua vernácula, começa a cotejar as páginas
gêmeas e logo inicia sua aprendizagem da língua
sagrada. É introduzido ademais no conhecimento
da língua holandesa e supervisionado nos
seus avanços em francês por um franciscano
holandês, que chega a Cordisburgo em 1917.
Até seus 8 anos, o garoto estudou em Cordisburgo.
Aos 9, muda-se para Belo Horizonte, onde termina
o curso primário, no Grupo Escolar Afonso Pena.
O curso secundário é iniciado no Colégio Santo
Antônio, em São João Del Rei, em regime de internato,
mas lá ele permanece por pouco tempo,
retornando logo a Belo Horizonte, onde se matricula
no Colégio Arnaldo. Com os padres alemães
desta instituição aprende, sem dificuldade, a língua
alemã. A essas alturas, já começa a despontar
o Guimarães Rosa poliglota. Anos mais tarde, em
1967, ano da morte do escritor, divulgou-se um
artigo a partir do qual se ficou sabendo que ele
dominava bem seis idiomas: português, espanhol,
francês, inglês, alemão e italiano. Além disso, ele
possuía conhecimento suficiente para ler livros em
latim, grego clássico, grego moderno, sueco, dinamarquês,
servo-croata, russo, húngaro, persa,
chinês, japonês, hindu, árabe e malaio.
Em 1925, com 16 anos, ele ingressa na Faculdade
de Medicina da Universidade de Minas Gerais,
formando-se em 1930, aos 22 anos, tendo sido,
então, o orador da turma. Neste mesmo ano, casase
com uma jovem de 16 anos: trata-se de Lígia
Cabral Penna, com a qual tem duas filhas: Vilma e
Agnes. O casamento, no entanto, logo se desfaz.
Formado, Guimarães Rosa vai exercer a profissão
em Itaguara (cidadezinha do interior de
Minas Gerais), onde permanece cerca de dois
anos. Durante a Revolução Constitucionalista de
1932, trabalha como voluntário na Força Pública,
onde posteriormente se efetiva por concurso
público. Em 1933, se encontra em Barbacena
como Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria.
Sobrando-lhe tempo nessa função, dedica-se
com afinco ao estudo de idiomas estrangeiros,
acabando, aconselhado por um amigo, por prestar
concurso para o Ministério do Exterior. Em
1934, é aprovado em concurso do Itamaraty,
trocando a Medicina pela diplomacia.
Em 1938, é nomeado cônsul-adjunto em Hamburgo,
onde permanece servindo a embaixada brasileira
até 1942. Lá conhece Aracy Moebius, funcionária
do consulado, pela qual se apaixona e com a qual
mais tarde se casará. Juntos, arriscam-se perigosamente,
pois enfrentam o nazismo ao facilitar a
fuga de dezenas de judeus, salvando-lhes as vidas.
Quando o Brasil rompe relações diplomáticas com
a Alemanha, Rosa é internado por três meses em
Baden-Baden, na Alemanha, de 28 de janeiro a 23
de maio de 1942. Libertado em troca de diplomatas
alemães, ele retorna rapidamente ao Brasil,
seguindo logo para Bogotá, onde permanecerá, de
1942 a 1944, como Secretário de Embaixada. Em
1945, viaja pelo interior de Minas, retomando
contato com a paisagem rural de sua infância.
Em julho de 1947, movido pela “precisão de
aprender mais, sobre a alma dos bois”, viaja ao
pantanal matogrossense para entrevistar um profundo
conhecedor do assunto: o vaqueiro Mariano.
Desse encontro, nasce a entrevista poética,
“Entremeio com o vaqueiro Mariano”. Em maio
de 1952, portanto dez anos depois de regressar da
Alemanha, o diplomata-escritor excursiona, pela
segunda vez, ao sertão mineiro. Assiste, no dia 18
de maio, à festa de inauguração da “Fazenda da
Sirga” e, no dia seguinte pela manhã, inicia uma
viagem, cujo percurso irá posteriormente tematizar
na novela “Uma estória de amor (Festa de
Manuelzão)”, editada no Corpo de Baile, em 1956.
Na viagem, que dura dez dias, Rosa acompanha a
tropa comandada pelo vaqueiro Manuel Nardy, o
Manuelzão. Durante o percurso, o escritor, que
não se separava de suas cadernetas de notas,
registrou minuciosamente, através dos relatos de
Manuelzão, bem como através dos usos, costumes
e sabedoria dos vaqueiros, contadores de
causos, cantadores de modas e cantigas regionais,
a manifestação viva da tradição oral. Em 1958,
Rosa é promovido a Ministro de 1ª Classe. Em
1962, se ocupa da Chefia do Serviço de Demarcação
de Fronteiras, cargo em que permanecerá até seu
falecimento.
Já consagrado nacional e internacionalmente
como escritor e diplomata do Itamarati, com
várias e relevantes representações do Brasil no
exterior, Guimarães Rosa se torna imortal ao
tomar posse na Academia Brasileira de Letras,
em 16 de novembro de 1967. Fazia quatro anos
que a desejada posse vinha sendo protelada,
visto o escritor temer que o impacto frente à
imortalidade poderia levá-lo à morte. De fato, a
pressão alta, o coração debilitado e a irrepresável
emoção causam-lhe enfarte, em decorrência
do qual vem a falecer no dia 19 de novembro.
Em seu discurso de posse na ABL, provavelmente
ainda tomado pelo pressentimento que provocou
o adiamento, Guimarães Rosa pronuncia
esta sentenciosa afirmativa: “a gente morre é
para provar que viveu”.



* MARLI FANTINI SCARPELLI é professora de Teoria da Literatura
na Faculdade de Letras da UFMG e autora de
Guimarães Rosa: fronteiras, margens, passagens (Prêmio
Jabuti, 2005).
Fonte internet: para ver ilustrações:
http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/SuplementoLiterario/File/sl-junho-2008.pdf

Pag.: 36/Junho 2008 - SUPLENTO LITERÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

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